Análise psicológica do filme O Diabo Veste Prada (com resumo)
A análise psicológica do filme “O Diabo Veste Prada”, uma comédia dramática lançada em 2006, nos traz inúmeros insights sobre o impacto do ambiente de trabalho na saúde mental em nossa sociedade.
Um dos motivos do filme ter feito tanto sucesso é devido ao fato de que nosso trabalho é um dos principais eixos ao redor do qual orientamos nossas vidas.
Nossas amizades, sonhos, autoestima, cultura e até nossa identidade são impactadas diretamente pelo que o trabalho simboliza para nós.
Tanta energia aplicada nessa relação gera uma enorme expectativa desde muito cedo nas histórias de vida das pessoas.
Faremos a análise de algumas cenas que evocam conceitos psicológicos importantes, principalmente em relação ao papel do psicólogo do trabalho nas empresas.
Vamos lá?
ÍNDICE DE CONTEÚDO
Análise psicológica do filme “O Diabo Veste Prada”
Como citado no começo desse artigo, o sucesso do filme se dá muito por dar voz aos conflitos velados que grande parte dos trabalhadores vivem diariamente nas empresas. A sociedade ocidental capitalista foi construída sobre grandes expectativas em relação ao trabalho.
O quanto essa expectativa é ou não é saudável vale uma profunda análise psicológica de toda sociedade.
Precisamos repensar se essa cultura que atribui ao trabalho esse enorme peso existencial é algo natural e desejável ou se a vida pode obter significado e sentido em outras áreas da vida como a família, a comunidade ou a própria espiritualidade.
O que já sabemos é que quando essas expectativas são frustradas há um forte abalo em nossas estruturas psíquicas.
De um ponto de vista psicanalítico, isso se dá devido ao forte apelo simbólico que o trabalho possui na nossa sociedade ocidental capitalista.
É através dele que orientamos grande parte das nossas vidas, tanto em termos de identidade como em termos de autoestima.
E esse abalo, então, se não for bem trabalhado, ocasiona o estresse, os transtornos mentais e todo sofrimento que vemos no filme e nos conteúdos apresentados por essa disciplina.
E isso principalmente para aqueles que não possuem outros eixos existenciais norteadores para balancear esses afetos superdimensionados em relação ao trabalho (como os eixos familiares ou espirituais, por exemplo).
O psicólogo do trabalho, ciente das dinâmicas dessas relações intra e interpsíquicas, pode trabalhar em prol dessas intermediações através dos instrumentos psicoterapêuticos e pela visão madura dos processos de gestão empresarial.
Destacaremos agora em um rápido resumo do filme O Diabo Veste Prada algumas cenas típicas de violência psicológica e de assédio moral que podem impactar a saúde mental de todos os colaboradores de uma empresa.
Resumo do filme O Diabo Veste Prada
O filme conta a história de Andrea, uma jornalista recém formada interpretada por Anne Hathaway, conquista uma vaga disputada na conceituada revista de moda Runaway.
Após os momentos de alegria e grande expectativa, Andrea de depara com a face “diabólica” de sua chefe Miranda Priestly – uma típica chefe abusiva interpretada pela maravilhosa Meryl Streep – que coloca a protagonista em situações constrangedoras ao longo do filme todo.
Andrea então passa a apresentar preocupação com o tempo que conseguiria ficar na empresa devido ao estresse que enfrentaria, além de não estar familiarizada com aquele universo da moda.
Uma reflexão sobre cultura empresarial
Foram muitas as tentativas que Andrea fez para se adaptar à cultura da empresa com a esperança de resoluções, chegando até a se afastar dos amigos e a romper com o namorado.
A pergunta que devemos fazer é: o colaborador contratado possui a personalidade adequada à cultura corporativa em questão?
Há diversos tipos de cultura diferentes umas das outras.
Em um empresa, a competitividade pode ser altamente valorizada em detrimento da colaboração.
Em outra empresa, essa dinâmica pode ser completamente oposta.
Ambos os valores são essenciais para qualquer empresa, porém no momento da contratação, o RH precisa avaliar se determinado candidato está de acordo com esses valores.
Do contrário, a contratação será um desastre tanto para o novo colaborador como para os outros funcionários que se adaptam melhor àquela cultura.
O importante aqui é um alinhamento sobre a percepção e o significado que cada indivíduo dá ao fator estressante daquele trabalho e sua capacidade para lidar com ele.
O papel do RH começa no processo seletivo eficaz
É importante observar aqui a necessidade de uma atuação preventiva do RH no processo seletivo.
No caso do filme, pode ter havido uma falha na comunicação quanto ao perfil da candidata solicitada pela Diretora.
Uma simples pergunta sobre expectativas e aspirações no momento da entrevista pode evitar contratações equivocadas – porém isso não ocorre no filme, gerando um choque cultural desde o primeiro dia de trabalho.
Miranda usou de imposição de valores institucionais sobre os valores dos funcionários e exigiu constante competitividade entre os colaboradores.
Aos poucos as pessoas começaram a se sentir mal, gerando sintomas de estresse e ansiedade devido ao trabalho abusivo a que se submetiam.
Andrea, então, passa a ter dificuldades em sua vida privada pois colocava os desafios do emprego como prioridade em sua vida, mas consegue conquistar a confiança de Miranda, sendo convidada para participar do evento de moda mais importante do ano em Paris.
Quando o assédio moral é banalizado
Assédio moral são práticas que chefes, superiores hierárquico ou colegas fazem repetidamente que tornam o ambiente insuportável, atingindo a moral, a dignidade e a autoestima do trabalhador, que se sentem ofendidos, menosprezados, rebaixados, inferiorizados e humilhados.
E esse assédio pode vir de todos os lados.
Acompanhe comigo…
Assédio moral descendente
Miranda Priestly demonstra ter uma vida dedicada ao cargo que conquistou e possui dentro da empresa poder absoluto.
A cultura da empresa, pautada pela competitividade e ostentação, favoreceu então a prática do que sabemos ser assédio moral.
Muitas vezes, Miranda mandava seus assistentes realizarem tarefas que não tinham qualquer relação com o trabalho, como por exemplo, fazer a lição de casa de suas filhas, levar o cachorro para passear, pegar roupas na lavanderia, trazer almoço, café, etc, gerando constrangimentos de toda ordem.
Ao deter o controle total sobre todo o processo decisório da empresa, a chefe se acha então no direito de cometer atos abusivos sem qualquer senso de remorso ou humanidade.
Assédio moral ascendente
Por conta da “aliança” que Miranda tinha com o dono da Revista, que permitia que ela fizesse tudo que quisesse, ocorria uma banalização das injustiças e naturalização dos maus tratos.
Destacamos aqui a cena em que ela entra em acordo com o dono da Revista através de chantagens, alegando que se fosse embora levaria consigo anunciantes, patrocinadores e personalidades influentes.
Tal prática pode ser caracterizada como assédio moral vertical ascendente.
Assédio moral horizontal
Entre os funcionários da revista, percebemos cenas nas quais ocorreram o assédio moral horizontal, como exemplo nas falas da personagem Emily quando conhece Andrea, sugerindo que a presença dela na empresa é um erro devido a forma como a personagem se vestia, dentre muitos outros exemplos nas cenas do filme.
Apesar de tudo isso, a protagonista consegue superar sua “rival” e a substitui num grande evento de moda em Paris, para o qual vai com Miranda.
Lá, Andrea tem contato com os mecanismos de poder de uma empresa poderosa como a Runway.
Essa nova experiência dá a ela a real dimensão dos valores daquela cultura corporativa, levando-a a tomar uma importante decisão – falaremos dessa decisão ao final dessa análise psicológica do filme O Diabo Veste Prada.
Fazendo a prevenção de estresse e transtornos mentais no ambiente de trabalho
O que um psicólogo do trabalho deveria se atentar em um ambiente de trabalho como o do filme O Diabo Veste Prada?
Além das questões éticas óbvias, o fenômeno do assédio moral na vida dos trabalhadores é também crítico para os resultados da empresa devido aos impactos físicos, psíquicos e sociais que podem ocasionar, gerando impactos no absenteísmo (faltas, atrasos, etc) e turn-over (rotatividade de colaboradores) da corporação.
Buscar maneiras de enfrentá-los, fortalecer suas vítimas e até enxergar os motivos que levam a pessoa a assumir o papel de assediador ou de assediado torna-se fundamental para o profissional da psicologia nas instituições.
Agora que fizemos uma boa análise psicológica do filme “O Diabo Veste Prada”, podemos trabalhar em 3 frentes de intervenções possíveis em cenários corporativos semelhantes.
Frente 1: Avaliação psicológica da cultura corporativa
Primeiro ele deveria avaliar o quanto aquela cultura empresarial é saudável do ponto de vista psíquico. Um trabalho interdisciplinar com diretores, médicos, psicólogos e gestores administrativos.
Nessa frente, o objetivo é identificar pontos a serem trabalhados em relação aos elementos insalubres do ambiente, e verificando o quão comprometidos a diretoria estaria com o bem-estar de seus trabalhadores.
Dessa forma, um psicólogo que conheça formas de abordagens e ferramentas de diagnósticos para entender a cultura e o clima da empresa seria o intermediador dessas relações.
Isso tudo sem deixar de lado aspectos importantes para o negócio como um todo como competitividade, criatividade, estimulação por metas, etc.
Frente de intervenção 2: Aspectos legais e regras claras de convivência
Posteriormente, após esse alinhamento cultural, penso que há a necessidade da documentação dessa cultura, incluindo regras de convívio claras e aspectos legais, com um projeto de comunicação interna e endomarketing entre todos os níveis hierárquicos.
E isso inclui cláusulas de proteção contra assédio moral.
Frente de intervenção 3: Ações em grupo e atuações individuais junto aos colaboradores
Finalmente, vejo como muito produtivo a promoção de workshops que reforcem tanto a cultura corporativa como também as boas práticas das relações de trabalho psiquicamente saudáveis.
Me refiro à promoção de treinamentos para os funcionários para perceber algumas situações de assédio moral como as que aparecem no filme e achar caminhos alternativos. Além de campanhas de práticas de bem estar.
Um projeto de longo prazo
Essas três frentes de intervenção propostas nessa análise psicológica do filme “O Diabo Veste Prada” são diretrizes iniciais que podem evoluir para um projeto consistente.
Naturalmente um projeto de intervenção como esse deve ser seguido por inúmeros outros para que a cultura corporativa saudável seja mantida e evolua paralelamente ao crescimento da corporação.
Final do filme “O Diabo Veste Prada”
O filme termina com uma decisão madura de Andrea: ela simplesmente abandona o emprego abusivo após comparar a sua personalidade com a de Miranda.
De fato o filme apresenta um confronto de valores. Andrea não se identificou com a competitividade agressiva e a todo custo de Miranda – apesar desta ter se comparado com a assistente. Sendo assim, sua presença ali não faria mais sentido.
Há de fato uma certa glamourização do assédio moral, contando um final feliz que definitivamente não é o que ocorre na maioria esmagadora dos casos reais dentro das empresas.
Geralmente os “rompimentos” são mais traumáticos, após um dos lados (geralmente o lado mais fraco do trabalhador) desenvolver um estresse tal que o faça ter perdas pessoais e profissionais significativas.
Apesar dessa falha compreensível para um filme hollywoodiano, ele é extremamente proveitoso para levantar as questões ocultas nos corredores corporativos, nos ajudando a criar caminhos mais construtivos para um relacionamento psiquicamente saudável com esse forte símbolo que é o trabalho.
Esperamos que essa análise psicológica do filme O Diabo Veste Prada e seu resumo tenham sido úteis para uma visão mais profunda sobre os desafios que temos como trabalhadores e seres humanos.
Leia outras análises psicológicas de filmes aqui.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Artigo: FERRARI, Eduarda Vasconcelos; CALHEIROS, Maria Izabel M.Q. Repercussões do assédio moral no ambiente de trabalho: intervenções possíveis ao psicólogo organizacional e do trabalho nos casos de assédio moral na empresa. Lumen, Recife, v.26, n.2, p.111-120, jul. /dez. 2017.
Artigo: WATANABE, Olga Maria, São Paulo, Stress e Psicossomática. 2003
Artigo adaptado da análise psicológica em grupo realizada por Ana Caroline Matias, Luciana Souza Ribeiro, Rafaella Natalicio e Alexander Carnier.